Publicado originalmente no site Jornalistas & Cia., em 02 de Maio de 2017.
Protagonistas – Como está sendo 2005 para a Carta Capital?
Como a revista vai fechar o ano?
Mino Carta – Ainda não tenho os dados completos, mas a
revista cresceu substancialmente em tiragem, assinantes, páginas de
publicidade. Eu acrescentaria também em prestígio – a revista chega a todos os
lugares aos quais deve chegar.
P – Ela tira 72 mil exemplares?
MC – Sim. É claro que, por suas próprias características,
ela não é uma publicação de larguíssima tiragem. Mesmo que tivéssemos fartos
recursos para atapetar a cidade de outdoors, para fazer propaganda no horário
nobre da Globo, ainda assim dificilmente a revista passaria de 120 mil
exemplares. O que é normal, porque ela se destina a um público muito especial,
preocupado com a política, com as questões centrais do País. Creio que é uma
boa tiragem, segundo essas características, está crescendo e vamos fechar o ano
muito bem. O principal é que não temos dívidas, coisa notável num país em que
todas as empresas de comunicação estão quebradas. Os nossos empresários de
mídia, em geral, são de uma incompetência sublime, muito ruins, perdulários,
exibicionistas, como, aliás, a nossa elite. São perfeitos representantes de uma
elite que jogou fora um patrimônio imenso, extraordinário, que se chama Brasil.
P – Mas as empresas estão agora numa situação melhor do que
no passado. A Abril, a Folha, o Estadão já equacionaram suas dívidas...
MC – Eles dizem. O Estadão pôs para fora os senhores
Mesquita, o que provavelmente já representa um avanço notável, porque melhora a
situação. Quem sabe um dia a Folha consiga jogar fora os senhores Frias. No dia
em que esses senhores deixarem essas empresas, em que elas tiverem uma direção
corporativa que atenda aos critérios da meritocracia, pode ser que dê certo.
Mas, por enquanto, não é isso o que acontece. Eu acredito mesmo que o
falecimento do doutor Roberto Marinho tenha representado um avanço notável para
a Globo, por exemplo.
P – Para 2006, qual é o cenário? Teremos Copa do Mundo,
eleições, que são eventos de muita audiência.
MC – Isso pode, pelo menos, resolver certos problemas.
Porque deve haver elevação das tiragens. Possivelmente um interesse especial
publicitário de colocar páginas específicas, por exemplo, para o futebol, que é
uma coisa que empolga o País... Ainda, né? (risos)
P – Os jornalistas, que integram uma categoria muito crítica
e cética por natureza, o consideram um dos profissionais mais respeitados e
admirados do País. Você ganhou diversos prêmios de Comunicação, sempre eleito
por uma base que é muito crítica. Não lhe parece um paradoxo, ser uma pessoa
tão querida e, ao mesmo tempo, tão crítica da própria atividade?
MC – Obrigado pela distinção... (ri, mostrando um certo
embaraço) Bem, não sei se sou tão querido assim... Sinceramente, não tenho uma
opinião sobre isso. É claro que ganho aí umas boas razões para ficar contente.
Apesar da minha postura crítica em relação ao jornalismo brasileiro, nem por
isso deixo de ser apreciado pelos colegas – ou, pelo menos, por um bom número
de colegas. Isso é muito bom. Mas acho que a crítica – que é uma função do
jornalista, o jornalista tem que ser crítico –, não tem que ser necessariamente
destrutiva. (Isso me faz lembrar o tempo do regime militar, quando os milicos
insistiam muito na idéia de que a crítica devia ser construtiva.) A crítica
pode ser tanto destrutiva quanto construtiva, mas é sempre importante, útil. Mesmo
em certas ocasiões em que pode ser virulenta demais, exagerada. A verdade
factual às vezes embasa a crítica e a torna necessariamente forte e bem posta.
Por exemplo: qualquer comparação que se faça entre qualquer jornal brasileiro e
grandes jornais do mundo vai ser dolorosa. Nosso jornalismo até hoje pratica o
colunismo social, que, como postura, é uma coisa pífia, que me faz lembrar o
fim de 1700, começo de 1800.
“A crítica – que é uma função do jornalista, o jornalista
tem que ser crítico –, pode ser tanto destrutiva quanto construtiva, mas é
sempre importante, útil. Mesmo em certas ocasiões em que pode ser virulenta
demais, exagerada. A verdade factual às vezes embasa a crítica e a torna
necessariamente forte e bem posta.”
P – Você não vê mérito algum na nossa imprensa?
MC – Ela serve ao poder. Esse é o mérito dela. Vivemos uma
conjuntura em que a mídia está massivamente contra o Governo Lula, simplesmente
porque os senhores do País não querem que ele se reeleja. Não estou entrando no
mérito das qualidades do Lula. Não sou filiado ao PT, mas quero ser isento no
julgamento dos fatos. O mensalão não foi provado. No entanto, a mídia se porta
como se tivesse sido. Basta ver os jornais todos os dias. Alguns, então, são de
uma agressividade monstruosa. A Veja, por exemplo, nas suas diatribes semanais
contra o Lula, é um espanto. É um péssimo jornalismo, porque se baseia em nada,
em fumaça. Outro dia, a Veja deu uma capa dizendo que o Lula recebeu dinheiro
do Fidel Castro. E a matéria era baseada num disse-que-disse que só poderia ser
provado por um falecido. Que coisa maravilhosa! Isso é jornalismo? Não, isso é
uma vergonha, como diria o Boris Casoy.
P – Qual é a melhor imprensa, das que você conhece?
MC – A inglesa e a italiana, como qualidade literária, capacidade
de crítica, agilidade. A francesa não é lá essas coisas. A espanhola tem bons
jornais, El Pais e El Mundo. Não são necessariamente jornais que espelham as
minhas posições, mas não importa. Em São Paulo circula uma edição incompleta do
Corrière della Sera, que ainda assim é o jornal que hoje o Brasil faz melhor.
(risos) Aliás, os jornalistas brasileiros, se lessem o italiano, se
favoreceriam muito lendo um jornal perfeito, mas cujas posições não são as
minhas.
P – Como reflexo da crise do ensino, temos hoje muitos
profissionais despreparados no mercado. O que fazer para lidar com isso, para
melhorar essa situação?
MC – Não consigo imaginar a mídia fora da moldura do País. A
mídia é um espelho do País, como é de praxe. Pensem, por exemplo, no que foi o
Brasil nos anos 40 e 50, nas pessoas que pensavam o País, que imaginavam o
futuro, que tentavam desenhar os destinos da terra: Gilberto Freyre, Raimundo
Faoro, Sérgio Buarque de Hollanda, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, enfim...
As marchinhas de carnaval eram primores, muito inteligentes, muito refinadas.
Os textos da música brasileira eram muito bons, a chamada música popular era de
excelente qualidade. Nelson Rodrigues era um encanto, Stanislaw Ponte Preta era
um encanto; até as “certinhas” dele eram uma coisa muito boa. Pensem nesse país
e confrontem-no com o de hoje. Uma falta de graça absoluta. Pensem na nossa
elite, nessa turma que vive aí, com seus carros blindados, de vidros escuros
para que não se enxergue o interior, levantando as muralhas romanas que cercam
as suas vivendas, amestrando cães para que fiquem à porta das suas casas...
Mais de 50 mil brasileiros morrem assassinados todo ano. Então, por que a mídia
haveria de ser melhor do que essa situação? Acho que as pessoas não se dão
conta da gravidade da situação, de como a cada ano nós pioramos. A promessa é
que este ano cresceremos 3%. A Folha fez uma matéria patética, dizendo que o
Lula vai ter um trunfo, que será a política econômica. Por quê? Porque, assim
diz a matéria, de Figueiredo a Fernando Henrique o Brasil cresceu, em média,
por ano, abaixo de 3%, e, com o Lula, cresce acima – 3,11%!!! (risos) É a
conversa do roto com o esfarrapado! O Brasil tem que crescer 5% para ficar na
mesma! O Kirchner enfrentou o Fundo Monetário e a Argentina cresceu mais de 8%
este ano. A Índia cresce 8% ao ano há muito tempo, é uma das grandes potências
mundiais, tem bomba atômica, faculdades extraordinárias, uma elite
preparadíssima. Nós estamos vivendo uma tragédia e não nos damos conta. Eu vou
ao Gero e a outros restaurantes aí, vejo as pessoas que me cercam e parece que
elas estão em Nova York, a expressão delas é a de quem está em Nova York. Estão
muito felizes, a economia vai bem. Pra quem? Pro doutor Setúbal? Pra ele vai
muito bem...
Acho perfeitamente admissível que a mídia brasileira pudesse
ser excelente. Precisaria mudar os patrões. Aliás, vocês entrevistaram o
Otavinho. Para mim, o Otavinho não é um jornalista. E não seria em qualquer
país civilizado. Ele é um patrão, que se arrogou, se atribuiu, estabeleceu ser
jornalista. É uma prepotência inaudita. É um patrão, que paga o salário dos
outros e os outros têm um medo pavoroso de perder o emprego – que, aliás,
escasseia, como sabemos. Realmente existe muita gente que teria todas as
condições de produzir uma mídia de excelente qualidade, não tenho dúvidas
quanto a isso, mas precisaria mudar os patrões, mudar os conceitos. Precisaria
acabar com essa elite grotesca que jogou fora o patrimônio Brasil e começar
tudo de novo. Se não acontecer isso, não tenham dúvida: o País continuará indo
para trás. Isso é absolutamente inevitável, é inexorável, está escrito.
P – Nesse universo, como você lida com a equipe de Carta
Capital para que ela seja uma ilha de excelência?
MC – Nós temos gente boa. Basta oferecer a essa gente boa as
condições de fazer um jornalismo decente, um jornalismo baseado nos princípios
justos e indispensáveis para a sua prática: o respeito pela verdade factual; o
espírito crítico, desabrido, constante; e a fiscalização do poder, mas sem
deixar, nunca, de levar em conta a verdade factual. Digamos: o mensalão não foi
provado. Por que é que tem gente, até professores de Direito, mestres de leis,
que pedem o impeachment do Lula? Isso é inacreditável! Não aconteceria na
Inglaterra, na França, num país moderno e civilizado. Do meu ponto de vista, o
Governo Lula é um desastre, mas por razões outras: por estar cuidando das
finanças do Olavo Setúbal, estar entregue ao deus mercado, por executar
pontualmente as injunções do Fundo Monetário Internacional. Eu esperava que o
Governo Lula fosse capaz de iniciar alguma mudança, por mais tênue que fosse.
Como isso não está acontecendo, não acho legal. Mas, mensalão, corruptos? O
maior corrupto da história do Brasil é o Fernando Henrique Cardoso. Tem o caso
Sivam, tem as privatizações; aquilo foi uma coisa inacreditável. Sem contar os
senhores que saíram do governo e se locupletaram à larga. Perguntem ao senhor
Pérsio Arida e ao Mendonção quanto dinheiro eles têm hoje. Ou ao senhor André
Lara Resende, que está em Londres, galopando no Hide Park... belíssimos cavalos
puro sangue árabes. Eram pés-rapados, que de repente viraram ricaços. O Governo
do Fernando Henrique Cardoso, este sim, foi o mais corrupto da história do Brasil.
P – Como é o seu dia-a-dia na Carta Capital? Vem todos os
dias?
MC – Sim, mas trabalho pouco, o mínimo possível... (risos)
P – Tem bastante gente...
MC – Não, não tem bastante gente. Somos onze profissionais,
ao todo, para fazer uma semanal. Incluindo o Leandro, que está em Brasília, o
Maurício Dias, no Rio. Eu tento trabalhar o mínimo possível, mas nem por isso
deixo de trabalhar. Até porque o trabalho me mantém vivo.
P – E fora da revista, o que você tem feito?
MC – Tento viajar um pouco... O mais possível, também. Para
a Itália. Depois Paris, Londres.
P – E para os Estados Unidos?
MC – Eu já fui muito aos Estados Unidos. Hoje não. Tenho uma
visão, talvez, peculiar dos Estados Unidos: eu gosto muito da Costa Oeste.
Acho, por exemplo, Los Angeles uma cidade muito interessante, porque fica em
cima de um abismo. É um lugar onde nunca chove, tem muito sol, mas o mar é
muito frio. Tem uma situação de contradições fortes muito interessante. Em
compensação, tem a Flórida, tem Miami. (risos) Vocês sabem que, aqui, a
burguesia nativa, quando sai de seus catres, quando cai da cama, se joga de
bruços no chão com a cabeça voltada para Miami, Coral Gables, né? (risos)
P – Você lê?
MC – Pouquíssimo... Li muito quando era novo. Hoje leio
pouco, o mínimo possível... também. Sempre o mínimo possível ou o máximo
possível. (risos)
P – O quê? Revistas, livros, jornais?
MC – Eu não leio nenhum jornal brasileiro. O pessoal me
informa e me indica o que ler. E sou um expert em leitura oblíqua – não é
dinâmica, é transversal.
P – Você falou de fazer o mínimo possível de muitas coisas.
O que você faz com o tempo que sobra?
MC – Medito, uso para reflexão. O pensamento voa, transita
pelas zonas aéreas...
P – Nenhum livro no prelo?
MC – Comecei a escrever o terceiro livro, mas por hora está
parado.
P – Autobiobrafia?
MC – Não, não... Autobiografia é sempre nas entrelinhas.
Esse terceiro livro não seria autobiográfico. É claro que quem escreve sempre
conta a si próprio, mas esse livro não teria nada de autobiográfico. Nem sei se
vou concluí-lo.
P – A propósito, você também não tem pintado. Parou há, o
quê, uns cinco anos?
MC – Faz nove anos. Na primeira metade de 1996, eu estava
preparando uma exposição no Exterior. Tinha feito uma exposição em 1995, em
Antuérpia, e o pessoal de lá queria fazer uma exposição em Dusseldorf, que
seria em 1997. Eu estava trabalhando, mas aí aconteceram coisas na minha vida
muito dolorosas, naquele momento parei de pintar e faltou vontade para
recomeçar. (Nesse momento, Mino mostrou-se bastante emocionado; Nota da
Redação: em 1996, faleceu Angélica, esposa de Mino e grande amor da vida dele)
P – Numa das suas muitas entrevistas, você declarou que uma
das suas pretensões era, primeiro, ser santo, e depois pintor...
MC – Ou escritor. Realmente, quando tinha oito ou nove anos
eu achava que o ideal seria ser santo. Mas não deu... (risos) Aí eu queria ser
pintor ou escritor, porque jornalista eu não queria ser. Meu pai era
jornalista, meu avô era jornalista, eles falavam de jornalismo o tempo inteiro
e eu achava uma coisa chata. Além de tudo, há uma parte de mim mesmo que me
leva a pensar que um dia é igual ao outro, que as personagens que você acaba
cobrindo na atividade jornalística são sempre as mesmas. Às vezes mudam os
nomes, mas são as mesmas personagens, sempre. São três, quatro tipos básicos e
você encaixa quem quer que seja nesses tipos. Então, é uma chatice, não é
divertido. Jornalismo é muito chato, mas muito chato.
P – E você não conseguiu se livrar disso...
MC – (risos) É que quando eu tinha 15, 16 anos, ia muito aos
bailes de sábado e achava que se tivesse um terno azul-marinho – porque a gente
ia aos bailes de terno e gravata – o meu desempenho melhoraria
extraordinariamente. Aí surgiu a oportunidade de escrever uns artigos, eu
escrevi, ganhei um dinheirinho e fiz o terno azul-marinho. A felicidade era
acessível. E o terno azul-marinho funcionou. (risos)
P – Isso foi quando? Na Copa do Mundo?
MC – Estou com 71 anos... Quando recebi a proposta de
escrever esses artigos, foi novembro ou dezembro de 1949. Portanto, eu tinha
ainda 15 anos. O Mundial foi em 1950... Aliás, eu estava no Maracanã naquele
dia trágico, do Uruguai, do gol do Gighia...
P – A história do terno foi na Itália?
MC – Não, foi aqui. Cheguei com 12 anos.
P – Mas você voltou um tempo para a Itália, para estudar,
fazer pintura?
MC – Estudar, não. Acabei pintando lá, fiz uma exposição,
participei de várias coletivas, mas eu fui para a Itália quando tinha 22 anos.
Passei dez anos longe da Itália. Aí surgiu a oportunidade de trabalhar lá, em
jornal, e fiquei mais ou menos três anos e meio.
P – Como uma família de jornalistas, os seus filhos seguiram
os seus passos...
MC – Coitadinhos...(risos) É uma sina. Os meus filhos, o meu
irmão, os filhos do meu irmão... É uma coisa trágica... (risos)
P – O seu filho é correspondente em Paris...
MC – Quando o Gianni tinha 15 anos, foi estudar fora do País
e nunca mais voltou. Mas eu acho que ele tem alguma chance de escapar dessa
sina trágica, embora não seja mais nenhum garoto, já tem 41 anos. Escreveu dois
livros, está escrevendo o terceiro, é Master em Ciências Políticas e vai ser
Phd pela Universidade de Londres. Já poderia lecionar na Universidade de
Londres com o nível que tem.
P – Ele escreveu um livro de reportagens muito
interessante...
MC – Ele é ótimo. E está escrevendo um livro para a
Universidade de Londres que acho que vai ser muito importante: “A criação do
mito de Garibaldi”. Acho que ele tem alguma chance de escapar... E minha filha,
Manuela Carta, de alguma maneira, está escapando, está virando uma empresária.
Não sei se é uma dádiva dos céus, mas ela está virando uma empresária. (risos)
P – A propósito, vamos falar sobre sucessão. Você já tem 71
anos, está com todo o vigor, mas como será a Carta Capital pós- Mino?
MC – Não sei... Isso nunca passa pela minha cabeça. As
coisas se ajeitam automaticamente. Não adianta pensar muito nessas coisas.
P – Não planeja? Não discute isso com a sua filha?
MC – Nada! Nem passa pela nossa cabeça a idéia de discutir
essa possibilidade. É claro que ela é contemplada automaticamente, mas não é
algo que preocupa. Ninguém é indispensável e ninguém é insubstituível.
P – Você não tem a preocupação de que a revista continue nas
mãos da sua família, da Manuela?
MC – Não. Depois de mim, o dilúvio ... (risos)
P – Mesmo não pensando na sucessão, você pensa em parar? Na
aposentadoria?
MC – Não, não! Mas quê aposentadoria! Por quê? Não há
nenhuma razão para pensar em aposentadoria.
P – Ainda nessa rota de futuro, o jornalismo impresso – as
revistas aí incluídas – aparentemente continua com muito prestígio, mas está
perdendo leitores, na média mundial. Todos nós sabemos que morrem leitores de
veículos impressos a toda hora e que nascem internautas. Na sua opinião, que
papel caberá à mídia impressa no futuro? Ela tem chances de continuar
influenciando gerações de formadores de opinião?
MC – Estou longe de ser futurologista. E também esta é uma
questão que não me preocupa muito. No entanto, eu confio na idéia de que o que
está escrito permanece e que palavras soltas voam. Então, acho que a escrita é
insubstituível para expor certas idéias; isto não se consegue destruir. Mas não
ousaria vaticínios maiores. E também não sei qual é o futuro do homem, né? Me
parece que os homens mais contemporâneos, mais atentos ao que acontece, estão
muito preocupados com o próprio destino do ser humano. Desse bicho
imprevidente, que criou a sua própria ratoeira, muito além do risco, digamos,
da energia atômica usada na guerra ou coisas desse tipo. Muito pior do que isso,
existe para o mundo o risco criado pela imprevidência do homem. Os pensadores
mais contemporâneos aventam a possibilidade de que o mundo desapareça porque o
homem desaparece.
P – É por isso que você continua escrevendo na sua Olivetti?
MC – Não, não... (risos) É que o progresso tecnológico me
espanta. Não é uma posição ideológica. É porque eu sou muito limitado e não
quero esse tipo de inovação, não me interessa. Não tenho e não uso celular, por
exemplo. Nunca tive um fax em casa.
P – E nunca teve necessidade?
MC – Nenhuma. E continuo não entendendo por quê. O professor
Belluzzo, meu companheiro de aventuras, tem dois celulares, que tocam
ininterruptamente, os dois ao mesmo tempo. Meu Deus, é um tormento! Ele
inventou uma maneira de torturar a si próprio. Porque antes vivíamos sem
celulares e eventualmente vivíamos muito bem. Aquele aparelhinho não era um
fator determinante nas nossas vidas.
P – E a sua relação com a internet?
MC – Zero. Não chego nem perto do computador.
P – Nem pra dar uma olhada no site da Carta Capital?
MC – De jeito nenhum! Nem morto! (risos) Tenho certeza de
que, um dia ou outro, esses computadores vão engolir os seus usuários. O vídeo
vai se abrir com uma bocarra e engolir o usuário. Aquele cara que fica lá, tec,
tec, tec, desaparece e se faz o silêncio. (risos) Falavam da força hipnótica da
televisão. Imagine! É brincadeira, em comparação...
P – Ao mesmo tempo, com a carga jornalística que você tem,
por força das circunstâncias, acabou sendo dono do seu próprio negócio, que é a
Carta Capital. E ela tem uma relação com a internet, a sua equipe tem uma
relação com a internet...
MC – É problema deles! (risos) Primeiramente, eu, até hoje,
me recuso a aceitar a idéia de que sou dono do meu negócio. Eu brigo pelo meu
salário porque preciso dele; sem o salário não sobrevivo.
“Recuso-me a aceitar a idéia de que sou dono do meu negócio.
Eu brigo pelo meu salário porque preciso dele; sem o salário não sobrevivo.”
P – E quando precisa comprar equipamentos?
MC – Digo: façam o que quiserem, o problema é de vocês.
Precisa comprar mais dez computadores? Comprem. Precisamos mudar de gráfica
porque essa não funciona tão bem... Façam! Eles me falam coisas e eu não ouço.
Eu digo sim, sim, claro, perfeito, e vamos em frente... Não tenho nenhuma
vocação de empresário, nenhum talento para isso. Já fui sócio do Domingo
Alzugaray, no tempo da primeira IstoÉ, mas nunca me interessei por aquilo, por
problemas técnicos, de dinheiro, de administração, venda de páginas publicitárias.
Não tenho a menor idéia, faço o meu trabalho. A minha preocupação é o conteúdo,
como sempre foi.
P – Há alguma coisa no jornalismo que você ainda não fez e
que gostaria de fazer?
MC – Não, não. Não sei... Lá pelas tantas, achei que São
Paulo mereceria ter um diário bom, contemporâneo do mundo, não essas porcarias
que estão aí...
P – O Jornal da República...
MC – É. Eu dou risada desses jornais. Peguem a Folha e
comparem com os jornais do mundo e vocês vão dar risada, se forem isentos.
Então, eu achava que seria bom, mas precisa muito dinheiro para fazer um
diário. Mesmo fazendo como eu vi fazer jornais na Europa, com redações de 30
pessoas; 30 pessoas fazem um jornal. Nós fazemos uma semanal com 11
jornalistas. A Veja tem 100, 150. Houve tempo em que as sucursais de Brasília
dos chamados grandes jornais brasileiros tinham 100 pessoas, só na Redação. A
sucursal de Roma de um jornal de Milão tem quatro jornalistas. E resolvem tudo.
P – Mas na montagem de Veja e do Jornal da Tarde, também não
eram redações muito grandes na época?
MC – Eram. Mas eram os hábitos das casas. O Jornal da Tarde
menos, certamente, do que a Veja. A Veja saiu com 120, 130 pessoas, de cara,
mas chegou a ter muito mais. Hoje o Estado tem 500 jornalistas trabalhando lá
dentro, entre graúdos e miúdos. São coisas impensáveis. Por isso é que essa
gente está quebrada. São perdulários. Se você tem profissionais bons... E eu
não acho que, no Brasil, você não possa ter profissionais bons. Há
profissionais excelentes. Eu sempre trabalhei com equipes excelentes.
P – Ao longo da história, a gente viu muitos jornais
quebrarem, até bons jornais, ou pelo menos jornais de uma certa repercussão.
Também ficaram pelo caminho grandes empresas, como Matarazzo, Villares. Com
esses jornais poderá acontecer a mesma coisa?
MC – Poder, poderá... Mas eles conseguem resistir, embora
estejam todos endividadíssimos. A Abril, por exemplo – que não faz jornais, mas
faz revistas –, tem um buraco de 400 milhões de dólares. Quem resiste com um
buraco desses? Mas eles resistem, não sei como. São milagres do passivo... A
Globo deve muito mais do que isso. Vão se ajeitando e tal... Houve até essa
história da lei de 30% de capital estrangeiro... Evidentemente é uma falácia,
porque o estrangeiro não vai botar 30% numa empresa quebrada, a troco de
banana. Até porque a empresa que está quebrada, está quebrada por
incompetência. Então, eu vou dar ainda uma grana pro cara que afundou a sua
própria empresa? É uma incongruência, uma coisa que não dá pra entender.
“Quando saí da Veja, em fevereiro de 76, e a partir daí
precisei inventar os meus empregos, fui estimulado a fazer coisas que não
existiam. Então, sempre estive em lugares que não existiam antes da minha
chegada. Isso é muito divertido. Eu me diverti muito na profissão.”
P – Olhando para trás um pouquinho – Quatro Rodas, Jornal da
Tarde, Veja, IstoÉ –, você não sente que, de certa forma, ajudou a criar o
monstro?
MC – Eu??? (risos)
P – Foi você quem criou esses veículos...
MC – Eu tive muita sorte na profissão, porque estava sempre
no lugar certo, na hora certa. E isso me favoreceu extremamente. Quando saí da
Veja, em fevereiro de 1976, e a partir daí precisei inventar os meus empregos,
também isso foi uma sorte, porque fui estimulado a fazer coisas que não
existiam. Então, sempre estive em lugares que não existiam antes da minha
chegada. Isso é muito divertido. Eu me diverti muito na profissão. Sem contar
que o desafio aos patrões sempre foi muito divertido, muito engraçado. É gente
que dá pra levar na conversa com extrema facilidade. Muito mais despreparados
do que os seus profissionais, do que os seus empregados.
Quanto aos veículos que eu criei, hoje são bem diferentes do
que na época. A Quatro Rodas talvez não tenho mudado muito, por ser uma
publicação especializada. É uma ótima revista até hoje. O Jornal da Tarde
começou bem, mas depois caiu, principalmente por causa da pretensão do Ruy
Mesquita, da disputa dele com o Júlio. A característica do Estadão era ser um
jornal de caráter mais nacional (embora, a rigor, não o seja), pelo menos de
ampla cobertura estadual, e o Jornal da Tarde um jornal paulistano, focando a
cidade de São Paulo. Mas aí o Ruy decidiu que o JT também seria de cobertura
ampla, competindo na mesma faixa de leitores que o jornal do irmão mais velho.
Para ajudar a entornar o caldo, o JT deixou de ser vespertino, porque as
máquinas não podiam rodar o jornal de manhã, sob a alegação de “problemas
técnicos”. Então, a casa ficou com dois matutinos. O Jornal da Tarde virou o
jornal da manhã. (risos) O Jornal da República, embora fosse mais crítico e
interpretativo, enquanto estava sendo impresso na gráfica da Folha até que
tinha a vantagem de fechar mais tarde e poder dar notícias mais quentes. Ao ser
obrigado a mudar para a gráfica do Diário, começou a fechar mais cedo, acho que
por volta das 18 horas. Aí ficou difícil. Pior do tudo: faltou sustentação
financeira. Infelizmente acabou. Já a IstoÉ perdeu muito da sua combatividade,
hoje é muito menos crítica do que a proposta original. A Veja atual não dá nem
pra comparar; além de fazer um mau jornalismo, parcial e mal apurado, é
empafiosa.
P – A propósito da Veja, você não pensou em ir embora do
Brasil por causa daqueles episódios, da censura, Herzog, sua saída da revista?
MC – Naquela época, não. Eu já havia pensado nisso antes, em
1964, quando foi dado o golpe militar. Aliás, toda a mídia implorou por aquele
golpe. Mas me convenci de que ser jornalista aqui teria alguma utilidade,
alguma serventia para tentar impedir que a história fosse escrita pelos vencedores.
Normalmente eles é que a escrevem. Mas, como jornalista, eu teria a chance de
deixar para o futuro alguma anotação, alguma coisa que poderia, eventualmente,
sobreviver à versão dos vencedores. O jornalista poderia contribuir para a
memória do País, eventualmente jogando contra a censura, colocando coisas nas
entrelinhas. Bastava pouco para que alguma coisa ficasse.
P – Ao longo de sua trajetória profissional, houve pessoas
que o influenciaram?
MC – Meu pai, Gianino, teve uma importância muito grande
para mim, acho que a influência dele transcende o jornalismo. Era um homem de
visão do mundo, diferente da minha, mas sempre muito honesta, correta, um homem
correto, de princípios. E também tinha muito gosto estético. Então, foi uma
influência maior do que a meramente jornalística. A bem da verdade, eu não
aprendi jornalismo com ninguém, aprendi trabalhando. Tive uma amizade muito
grande, muito chegada, com o Cláudio Abramo, que foi um irmão mais velho, onze
anos mais velho do que eu. Trabalhei com ele no Jornal da República, éramos
muito amigos, mas não posso dizer que me influenciou, até porque também
tínhamos visões muito diferentes do mundo. Nos dávamos muito bem, mas era uma
coisa que também transcendia o jornalismo. Trabalhei com alguns jornalistas de
excelente nível, não gostaria de esquecer alguns: Paulo Patarra, Paulo Henrique
Amorim, Tão Gomes Pinto, Nélson Letaif, um monte, agora o Maurício Stycer, o
Maurício Dias.
Essa equipe que trabalha comigo é excelente. É gente com a
qual dava para trocar bola. O próprio Elio Gaspari, não concordo com certas
coisas dele, mas é um ótimo jornalista. Raimundo Pereira é um excelente
jornalista. Tem muitos bons jornalistas com os quais trabalhei e com os quais o
intercâmbio foi muito forte, muito sensível, muito profundo. Nirlando Beirão...
Provavelmente estou esquecendo muita gente... Eu tive ótimas relações com
muitos jornalistas e eu acho que sempre foi uma troca muito boa.
P – Você foi um bom chefe?
MC – Acho que sou um chefe excelente. (risos)
P – Dizem que tem um gênio danado...
MC – Não acho que tenho um gênio danado. Eu tenho um gênio
excelente, porque sou muito bem humorado. A minha condição natural, orgânica, é
do bom humor. Talvez pelo lado crítico... Mas nunca destratei ninguém. Em toda
a minha vida mandei embora duas pessoas, nunca despedi ninguém que trabalhasse
comigo, só duas pessoas. Eram companhias que não me agradavam. A propósito, Bob
Fernandes é um outro jornalista ótimo com quem trabalhei... Mais penso e mais
surgem nomes.
P – Você não acha que faz falta termos pensadores analisando
a imprensa, discutindo, debatendo e apontando falhas, apontando injustiças,
discutindo caminhos?
MC – Sim, claro. Todo trabalho no sentido de levar a sociedade
a pensar em si própria é sempre muito propício. Entretanto, neste momento
também são raros os livros importantes de reflexão, os livros de análise da
conjuntura, dos problemas que afligem o País. Livros que tenham valor, como o
que foi atribuído com toda a justiça a obras como Casa Grande & Senzala,
Sobrados e Mocambos, Os Donos do Poder, As Raízes do Brasil. Eu acho que não
tem. Alguma coisa sai, sim, até bons trabalhos acadêmicos, mas são muito raros
e não são livros que têm essa transcendência, essa profundidade que tiveram
outras publicações. Sem falar em Euclides da Cunha, coisas desse tipo. Não
temos hoje esse tipo de produção.
P – E no jornalismo, você acha que a gente vai voltar a
contar boas histórias?
MC – Uma coisa é contar boas histórias, outra é fazer boas
análises. São coisas distintas. Essa reportagem sobre o Sarney, por exemplo, é
uma ótima história, muito bem contada (Nota da Redação: Carta Capital nº 369,
de 23/11/2005). Esse tipo de jornalismo é muito bom. A grande história,
belíssima, enriquece o leitor tanto quanto o enriquece a boa análise. Isso é o
que se deveria desejar do jornalismo. O problema é essa linha uniforme dos
patrões da mídia. Porque eles se juntam diante daquilo que supõem ser o risco
comum. Assim, existe hoje um coro contra o governo, compacto. Há nuances,
claro, mas é basicamente isso. Todos juntos, exatamente como se deu no golpe de
64. Na verdade, os patrões se odeiam. O senhor Frias odeia o senhor Mesquita, o
senhor Mesquita odeia o senhor Marinho. Detestam-se. Cordialissimamente se
detestam. No entanto, diante daquilo que supõem ser o inimigo comum, eles se
juntam. E não é preciso fazer reuniões de cúpula, eles se juntam
automaticamente. Hoje, qual é o negócio deles? É impedir que o Lula se reeleja.
Isso empobrece terrivelmente o jornalismo. Mostra, por outro lado – e é
inevitável –, que nós vivemos em uma sociedade muito pouco complexa. Na Europa,
há jornais que são de esquerda e tem dinheiro de empresários. O inglês
Guardian, por exemplo, é um jornal poderosíssimo, fortíssimo, que tem dinheiro
de empresários, e é de esquerda – na concepção atual daquilo que deve ser
esquerda e daquilo que deveria ser direita. O Republica, de Roma, é um jornal
de esquerda, está contra o governo, é um jornal de oposição clara, definida, e
tem dinheiro de grandíssimos empresários. São sociedades mais complexas. A
nossa sociedade é elementar, é rico e pobre, ponto e acabou. Isso aí, toda a
mídia brasileira é para ricos, é dos ricos... E para enganar os pobres. Estão
tentando desesperadamente obnubilar, entorpecer os espíritos.
P – Você acha que isso é uma coisa orquestrada? Porque,
todos sabemos, os patrões não fazem o fechamento das edições. As equipes
retratam isso por osmose? Por exemplo, essa unanimidade em ser contra o Lula...
MC – A reflexão da imprensa nativa, por exemplo, fica por
conta de umas coitadinhas... A reflexão está na mão delas e elas querem agradar
ao patrão. Uma foi cabo eleitoral do Fernando Henrique e dizia que o Real nunca
seria desvalorizado. Reelegeram o Fernando Henrique na base dessa promessa, “o
Real não será desvalorizado”. Exatos doze dias depois da posse, ele
desvalorizou o Real e o Brasil quebrou. Então, essas são as luzes que refletem
dentro da imprensa brasileira. Gente desse tipo, que até tem muito nome, diga-se
de passagem, não teria emprego fora do Brasil.
P – Você concorda então com a Marilena Chauí, de que há um
complô dessa mídia?
MC – Honestamente, não creio que haja complô, porque acho
que esse entendimento se dá automaticamente. Porque tanto para o Mesquita, como
para o Frias, como para o Marinho, como para o Civita, como para não sei mais
quem – ponham aí quem vocês quiserem –, hoje, o objetivo é este: Lula não deve
ser reeleito; então vamos trabalhar ativamente para que isso se dê.
P – Mas eles não ganham com o Lula? O Lula não os incomodou.
Ao contrário, a situação está até melhorando agora, com mais publicidade. Para
a mídia, qual é a desvantagem de o Lula ser reeleito?
MC – Primeiro, existe o chamado ódio de classe. Lula é um
metalúrgico que chegou à Presidência e isso é insuportável. Em segundo lugar, o
PT, na opinião deles, é inconfiável. Existem dentro do PT várias facções que
advogam a causa de uma política mais agressiva, mais voltada para o social.
Então, isso também não agrada. Por outro lado, o próprio Lula, aos olhos deles,
é inconfiável. O Palocci começa a tremer na base. Se o Palocci cair, vai ser
uma tragédia irreparável para o doutor Olavo.
P – Como o Mino Carta jornalista, crítico, não o diretor de
redação, vê a Carta Capital? É a melhor revista semanal?
MC – Não dá para comparar, né? Realmente, é um baile
semanal.
P – Como é que vocês lidam com os erros?
MC – Não são muitos, mas denunciamos. Toda edição tem uma
errata da anterior.
P – Vocês fazem uma reunião de crítica da edição antes de
fazer a pauta da próxima?
MC – Não, não. É uma equipe muito afinada.
P – Quando você transformou a Carta em semanal, tomou o
cuidado de fechar pacotes de publicidade para não dar um passo em falso. Como
está hoje isso?
MC – Acabou. Temos anunciantes fiéis, sim, mas aquela
preocupação inicial, que era ter realmente pacotes já definidos para nos dar um
mínimo de respaldo, isso acabou. Temos anunciantes fiéis que renovam todos os
anos, têm contratos conosco. Mas é comum, isso acontece em todas as
publicações. Agora, o Fernando Henrique não nos dava uma única página de
anúncio. Fomos perseguidos pelo governo tucano. Enquanto o governo do PT... Sou
amigo pessoal do Lula. Depois de eleito, ele me chamou a Brasília e perguntou
como poderia me ajudar. Eu só lhe pedi isonomia. Os nossos preços são,
evidentemente, muito mais baixos do que, por exemplo, os da Veja. A Folha, com
claro intuito de criar problemas para esta modesta publicação, soltou uma
matéria sobre quanto gasta o Governo. Eu verifiquei que a Veja, no ano passado,
teve 16 milhões de reais de publicidade e a Carta Capital teve 2 milhões de
reais. A Carta Capital teve menos publicidade do que a Exame, que é uma
quinzenal específica – falo de dinheiro do governo, né? Petrobras, Banco do
Brasil, essas coisas. Eu pedi isonomia e nós tivemos uma certa isonomia. Mas
mesmo a Exame, que é uma revista de business, basicamente, e muito ruim, aliás,
e que é quinzenal, teve mais publicidade do governo do que a Carta Capital.
“O Fernando Henrique não nos dava uma única página de
anúncio. Fomos perseguidos pelo governo tucano. Ao Lula, eu pedi isonomia e nós
tivemos uma certa isonomia.”
P – Como você vê o relacionamento do Lula com a imprensa?
Ele praticamente não deu entrevistas. Teve, aliás, essa recente que ele deu ao
Roda Viva. O que você achou?
MC – Eu não assisti, mas ouvi que se saiu bem. Acho que o
Lula deveria dar uma grande entrevista à imprensa ao cabo do ano. Não creio que
o presidente da República deva dar entrevistas exclusivas, ele deve dar
coletivas, convocar em Palácio uma entrevista coletiva, vai quem quer, graúdos
e miúdos, fazem as perguntas que quiserem... Ele diz antes: tenho duas horas
para vocês. Perguntem o que quiserem. Eu vou fazer o balanço do ano e desta
questão aqui. E dá uma entrevista coletiva firme, forte. Parece que ele se
deixa acuar, eu acho que o comportamento do governo é muito, muito ruim, muito
inábil. Parece que na entrevista do Roda Viva – que, de certa forma, era uma
entrevista para vários; isto está certo, mas deveria ser ainda maior o escopo
–, ele se saiu bem. Mas acho que o governo tem uma atitude muito fraca, faltou
ali atuar distribuindo porradas.
P – Qual a razão da saída do Ricardo Kotscho, na sua
opinião?
MC – Não sei... Mas ele é outro jornalista que trabalhou
comigo e que é muito bom também. Não sei mesmo... Estive com o Kotscho na festa
do Comunique-se, mas depois que ele saiu e não conversamos.
P – Você vota?
MC – Claro, sim.
P – Tem alguma preferência partidária?
MC – Não exatamente partidária, mas, de muito tempo para cá,
tenho votado por candidatos do PT. Lula sempre foi meu candidato, desde 1989.
P – E parlamentares?
MC – Eu votava em Ulysses Guimarães, que não era PT, era
MDB, depois PMDB; sempre votava nele.
P – E tem algum político atual, tirando o Lula?
MC – Deve ter, mas a minha esclerose galopante me impede
de... (risos) Provavelmente sim, mas me escapa neste momento um nome assim...
volumoso!
P – Nos últimos anos, a crise chegava à imprensa, de um modo
geral, através de instrumentos, como CPIs. Ouvimos o próprio Ricardo Noblat
comentar isso numa palestra, que a imprensa era muito pautada pelas CPIs...
MC – Outro muito bom jornalista. Também trabalhou comigo...
P – Hoje, ao contrário, a imprensa tem pautado a CPI. Sai na
imprensa e aí a CPI dá seqüência. Desse ponto de vista, mesmo com o conluio que
você diz existir, a imprensa tem cumprido o seu papel de vigilância, ainda que
de uma forma deformada?
MC – Para citar um caso recente: o depoimento dessa Carla
Cicco. Cadê a cobertura da imprensa? Daniel Dantas é o centro da questão. Por
que há essa proteção ao Daniel Dantas? Tem gato na tuba aí...
P – Não sei se foi o Gaspari que falou que o Daniel Dantas
estava no meio dessa questão...
MC – Foi a Carta Capital. O Gaspari, nesses pontos, é bem
menos contundente hoje em dia. Quem diz isso há seis anos é a Carta Capital. Já
demos dez capas sobre o Daniel Dantas. Ele me processou e perdeu. No Cível, ele
perdeu; agora corre no Penal.
P – Quantos processos já respondeu na vida?
MC – Não sei. Mas sempre ganhei, nunca perdi.
P – Algum marcante?
MC – Nada. Esses do Dantas são bons, porque ganhar do Dantas
é muito bom.
P – Vamos passar para um pingue-pongue? Um pintor.
MC – Caravaggio.
P – Uma tela.
MC – Caravaggio, A Chamada de São Mateus.
P – Um escritor.
MC – Shakespeare.
P – Um livro.
MC – Júlio Cesar.
P – Um político? Não necessariamente do Brasil ou do nosso
tempo.
MC – Um político entendido como pensador político? Antonio
Gramsci.
P – Uma pessoa inesquecível.
MC – Meu pai, Gianino.
P – Uma crença.
MC – A receita deve ser – não é minha, é de Gramsci:
“Pessimista na inteligência, otimista na ação”.
P – Um sonho.
MC – Os sonhos são tais e tantos que não dá para reduzir a
um sonho só...
P – Uma reportagem inesquecível.
MC – A morte de Valentino, contada por John dos Passos.
P – Um momento fotográfico.
MC – As crianças que correm fugindo de Mi Lai.
P – Um medo.
MC – (longo silêncio, seguido de risos) De levar mais um
tapa da minha mãe, Dona Clara, o enésimo. A enésima surra materna.
P – Um ídolo.
MC – (silêncio) Não tenho.
P – Um vício.
MC – Também não. Até fumei, mas... Não, nada.
P – Uma virtude.
MC – Nenhuma. (risos)
P – Um ensinamento.
MC – Não basta uma vida, diziam os gregos.
P – Um jornalista.
MC – Meu pai e também Cláudio Abramo
Confira aqui outros pensamentos e opiniões de Mino Carta,
extraídos da entrevista concedida a Protagonistas da Imprensa Brasileira e que
não integraram a versão impressa/pdf da publicação.
Povos do mundo e elite brasileira
“Eu não acredito na superioridade de um povo em relação a
outros. Os povos são todos iguais, o homem é sempre igual, depende das
circunstâncias, da situação histórica. O problema é que nós vivemos na mão de
uma elite feroz, má, ignorante, prepotente, cafajeste, mal-educada, que jogou fora
esse patrimônio extraordinário que é um país raro – pelo menos raro, para dizer
pouco. Muito espaço para pouca gente, 6.500 km de costa, riquezas no subsolo,
terra fértil... O que se quer mais? E por que estamos tão mal? Sempre um
destino de colônia, um destino de sabujos dos Estados Unidos, depois de ter
sido da Inglaterra... Um país de predadores nefastos, que só querem encher os
bolsos e não pensam no dia de amanhã. Essa é a nossa elite, uma elite
grotesca.”
Brasil, de mal a pior!
“O País está indo de mal a pior, recua todos os anos,
inexoravelmente, do ponto de vista econômico. O nosso ensino está cada vez
pior. Por que deveríamos ter um jornalismo melhor? Ele é um espelho do País. O
nosso jornalismo é lamentável. Você fala coisas e as pessoas normais não
entendem o que você está dizendo. Os jornais estão cada vez pior escritos. É
uma coisa assustadora como se escreve mal no Brasil. E as pessoas não sabem
escrever porque também não sabem falar.”
New York Times e imprensa americana
“O New York Times é um grande jornal. Mas os Estados Unidos
vão mal também. Eles elegem Bush, fazem uma guerra como essa do Iraque. Acho os
Estados Unidos um desastre. Um pouco melhores do que o Brasil, evidentemente,
porque, ainda assim, são o centro do império. E têm uma imprensa de grandes
tradições. A imprensa e a mídia americanas continuam sendo de excelente nível.
Mas caíram muito. Fiz dois estágios nos Estados Unidos, na Time-Life, um em
1964 e outro em 1968, às vésperas do lançamento de Veja, e também na Newsweek.
Era uma outra imprensa, uma outra mídia, muito mais qualificada, muito melhor
de todos os pontos de vista. Mas o país também era muito melhor. Acho que os
Estados Unidos estão numa draga.”
Guerras e conquistas
“No caso da Índia, há uma tradição antiga, ela sempre teve
uma ligação... A China é um caso especial, porque, apesar de tudo, ainda é uma
ditadura. Mas a Índia é um país que fez uma guerra de verdade, lá se morre... A
guerra da independência dos Estados Unidos foi uma guerra. A Venezuela teve
Bolivar, a Argentina teve San Martin. Já nós tivemos um senhor que estava com
prisão de ventre ou o oposto e parou numa altura do Ipiranga e disse
“Independência ou Morte!”. Provavelmente estava irritado porque não achou
sequer uma folha de bananeira para cuidar do serviço. Nunca houve um combate
sério neste País. Temos um povo escravo até hoje.
Escravidão
“A escravidão é uma marca terrível e o nosso povo carrega no
lombo a marca do chicote. A escravidão é um fato indiscutível e gravíssimo. Mas
há países que não tiveram escravidão. A Argentina não teve escravidão. Estou
falando dos países da América Latina. Os países europeus certamente tiveram
formas de escravidão, mas há muito tempo, são coisas que foram superadas – o
próprio tempo se incumbiu de lavar certos pecados. Aqui, não, é tudo ainda
muito recente. Acho que existem ainda pedaços do Brasil na escravidão, é um
fato.”
The Economist
“The Economist é uma revista excepcional para um público
especial. Parece que os leitores da The Economist choram todos os dias pensando
que a Veja é muito maior do que eles, né? (risos) Parece que eles não dormem.
Alguns tiveram crises nervosas, estão internados em clínicas variadas da
Inglaterra. É que a The Economist tem uma tiragem total de 700 mil exemplares.
Chega ao Brasil um certo reparte. Mas, de qualquer maneira, desses 700 mil, 200
mil ficam na Inglaterra. Quer dizer, é um parâmetro desse ponto de vista. Se a
The Economist, na Inglaterra, tem um reparte de 200 mil exemplares, Carta
Capital, no topo, talvez pudesse ter 100 ou 120 mil exemplares. Porque penso
que na Inglaterra os índices de leitura sejam mais dilatados do que os do
Brasil. Mas a The Economist não é uma revista da minha preferência. Acho que é
muito bem escrita, muito bem feita, mas não é a da minha predileção. Na
imprensa inglesa prefiro o The Guardian, por exemplo, ou o The Independent. São
órgãos mais próximos da minha idéia. Mas reconheço que se trata de uma revista
excelente, certamente a mais importante do mundo. Na 2ª feira ela está lá na
mesa do Chirac, do Bush, do grande empresário, do grande banqueiro. Até o
doutor Olavo lê a Economist... (risos)”
Políticos e Política
“Não tenho um grande relacionamento com políticos. Mas ligo
e sou atendido, quando quero saber alguma coisa. Eu, pessoalmente, sou amigo do
Lula há 28 anos, por exemplo. Fernando Henrique, conheço há 45. Agora, acho
Fernando Henrique um oportunista, um arrivista, um sujeito que foi de esquerda
porque era elegante ser de esquerda, porque estava na moda ser de esquerda. Sem
contar que ele é um substituto perfeito para o Dormonid. O discurso do Fernando
Henrique é magnífico para fazer dormir um insone como eu... (risos) O Palocci
me parece ser um excelente aluno do Fernando Henrique. Eu estava pensando em
pegar alguns trechos do depoimento do Palocci, gravar e ouvir quando me der
insônia. (risos)”
“Não tenho nenhum interesse pela política parlamentar. Mas
eu acho que a política é a condição do homem, é a moldura de tudo. Nós somos
políticos o tempo inteiro.”
Lula sabia de tudo?
“Ah, não, eu não me abalo a dizer certas coisas... Alguma
coisa provavelmente sabia, alguma coisa ele devia saber. Mas o que ele sabia? O
que foi provado? Foi provado o caixa 2. Qualquer um sabe, todo mundo sabe que
se usa caixa 2. Agora, o mensalão não foi provado. Cadê as provas? Creio que
ele, de alguma maneira, não se deu conta de certas coisas, até porque fica
distante de certos problemas, por desinteresse. Ele deve confiar muito nas
pessoas. Sim, é necessário confiar, mas não acho que ele confia nas pessoas
certas. Eu me considero mais rigoroso nas minhas escolhas, de quem fica perto
de mim. Ele não é tão rigoroso e é um cara que pode ser levado na conversa. Já
a história do Marcos Valério é uma claríssima. Chegaram lá e perguntaram: “Quem
é o cara que opera? Ah, é aquele senhor careca. Ele fez um trabalho magnífico
para os tucanos. É o profissional da operação. Ah, então vamos pegar o cara.
Continua com ele. Ele é o expert, está ótimo”. É como se você, que tem uma
empresa, decidir, digamos, mudar a agência de publicidade. Você pergunta: “Quem
é bom aí? Ah, tem o Nizan Guanaes, tem o Washington Olivetto, tem não sei
quem... Quem é o melhor? É esse. Então, pega ele. Mas ele trabalhou para...
Trabalhou? Não me importo, agora trabalha para mim”. É a mesma coisa, foi isso.
É o operador. Isso é lamentável, mas não foi ele, certamente, quem escolheu o
Marcos Valério.
PT vs PSDB
“Eu acho que aí vem à baila o nome do Golbery. Ele fez a
reforma partidária com um claríssimo propósito – isso foi no segundo semestre
de 1979: estilhaçar a oposição emedebista, que tinha virado algo concreto, sob
o comando do Ulysses Guimarães. E, aparentemente, ele conseguiu o seu intento
de forma brilhante, porque surgiram naquele momento o PMDB, o PT, o PP do
Tancredo Neves, o PDT do Brizolla, de quem o mesmo Golbery tinha roubado a
sigla do PTB, entregando-a para a Yvete Vargas. Mas o PT tinha já, em última
análise, uma fisionomia própria, muito distinta. Porque é claro que, quando se
tratava de formar uma oposição – por mais complicada e difícil que fosse a
situação naquele momento –, todos se juntavam contra o regime. Na hora em que
você diz “Ah!, vou fazer uma reforma partidária porque em 1982 teremos eleições
diretas para os governos dos estados”, neste momento, evidentemente, cada um
toma a sua posição ideológica coerente, deixa de haver essa frente comum contra
o regime militar e cada um começa a defender o seu caminho, as suas idéias. Aí
surgiu o PT. O PSDB é algo que se forma em função das ambições tucanas, muito
mais tarde, em 1987, a partir do PMDB. Não é do PT. O PT já estava numa outra.
Essa turma – os herdeiros da UDN paulista, os impolutos senhores donos da
moral, donos da correção, da ética –, esses saem do PMDB. Não acho que tenham a
mesma ideologia. Ao contrário, é muito distinta.”.
Texto e imagem reproduzidos do site: jornalistasecia.com.br
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